sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

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História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro II - Capítulos 8 a 16

      
                                                     



Texto Bíblico: Atos 12.1,2,13-17
 
VIII - Da fome nos tempos de Cláudio
IX - Martírio do apóstolo Tiago
X - De como Agripa, também chamado Herodes, perseguiu os apóstolos e logo sentiu a vingança divina
XI - Do impostor Teudas
XII - De Elena, rainha de Adiabene
XIII - De Simão Mago
XV - Do evangelho de Marcos
XVI - De como Marcos foi o primeiro a pregar aos egípcios o conhecimento de Cristo


VIII - Da fome nos tempos de Cláudio
1.            Caio, porém, não chegou a cumprir os quatro anos de exercício do comando. Sucedeu-o como imperador Cláudio, sob o qual se abateu sobre o mundo uma grande fome (e isto nos transmitem em suas histórias mesmo os escritores mais alheios a nossa doutrina) e cumpriu-se a predição do profeta Ágabo, segundo os Atos dos Apóstolos, de que era iminente uma grande fome sobre todo o mundo.
2.            Lucas descreveu nos Atos a grande fome dos tempos de Cláudio, e depois de narrar como os irmãos de Antioquia enviaram socorro aos irmãos da Judéia por meio de Paulo e Barnabé, cada qual segundo suas possibilidades, acrescenta:

IX - Martírio do apóstolo Tiago
1.            Naquele tempo - evidentemente o de Cláudio -o rei Herodes pôs-se a mal­tratar alguns da Igreja. E matou Tiago, o irmão de João, com a espada[1].
2.            Acerca deste Tiago, Clemente, no livro VII de suas Hypotyposeis, acrescenta um relato digno de menção, afirmando tê-lo tomado de uma tradição ante­rior a ele. Diz que aquele que o introduziu ante o tribunal, comovido ao vê-lo dar testemunho, confessou que também ele era cristão.
3.     "Ambos pois, diz Clemente, foram levados juntos dali, e no caminho pediu que Tiago o perdoasse, e este, depois de olhá-lo um instante, disse: A paz esteja contigo, e beijou-o. E assim é que ambos foram decapitados ao mes­mo tempo."
4.            Então, como diz a divina Escritura[2], vendo Herodes que sua façanha de assassinar Tiago tinha agradado aos judeus, tentou-o também contra Pedro, encarcerou-o e pouco faltou para que o executassem também se um anjo, por aparição divina, não houvesse aparecido a ele durante a noite e não o tivesse retirado milagrosamente da prisão, deixando-o livre para o ministério da pregação. Esta foi a providência disposição no que diz respeito a Pedro.

X - De como Agripa, também chamado Herodes, perseguiu os apóstolos e logo sentiu a vingança divina
1. O merecido pelos atentados do rei contra os apóstolos não demorou, e o ministro vingador da justiça divina alcançou-o em seguida. Imediatamente depois da conspiração contra os apóstolos, segundo narra o livro dos Atos, pôs-se a caminho de Cesaréia, e ali, estando adornado com esplêndidas e regias vestimentas e colocado no alto diante de uma tribuna, dirigiu a palavra ao povo. Todo o povo aplaudiu seu discurso, como se fosse voz de Deus e não de homem, e neste mesmo instante - narra a Escritura - um anjo do Senhor o feriu, e convertido em pasto para os vermes, morreu[3].
2.            É de se admirar como também concordam quanto a este estranho aconteci­mento a Escritura divina e a narrativa de Josefo. É evidente que Josefo atesta a verdade no livro XIX de suas Antigüidades, onde explica o ocorrido com as palavras que se seguem:
3.     "Havia terminado o terceiro ano de seu reinado sobre toda a Judéia e ele se achava na cidade de Cesaréia, antes chamada Torre de Stráton. Estava ali celebrando jogos públicos em honra de César, por cuja saúde sabia ele que se realizavam estas festas. A eles tinha comparecido grande multidão de autoridades e dignitários da província.
4.     No segundo dia da festa, havendo posto um traje todo feito de prata, que resultava num tecido admirável, entrou no teatro ao raiar do dia, então a prata, iluminada pelos primeiros raios do sol, refulgia admiravelmente e lançava reflexos que atemorizavam e faziam estremecer a todos que colocavam suas vistas sobre ele.
5.            Logo começaram os aduladores, por todos os lados, a levantar suas vozes, que para ele de nada valiam, chamando-o deus e dizendo: Sede-nos propício! Se até aqui nós o tememos como a um homem, desde agora confessamos que és superior à natureza mortal.
6.     O rei não os repreendeu nem tentou rechaçar a ímpia adulação. Mas pouco depois, levantando os olhos viu um anjo[4] planando sobre sua cabeça, e em seguida pensou que aquele anjo seria causa de males como por algum tempo fora de bens. A angústia oprimiu-lhe o coração.
7.            E sobreveio-lhe uma repentina dor no ventre, que começou com grande intensidade. Pondo os olhos sobre os amigos, disse: Eu, vosso deus, recebi a ordem de devolver a vida. O destino se apressou em desmentir vossas vozes mentirosas de agora a pouco. Eu, que vocês chamavam imortal, sou agora conduzido à morte. Devo aceitar o destino como Deus o quis, porque de forma alguma vivi mal, mas com grande ventura.
8.   Enquanto dizia isto, a força da dor o esgotava. Dirigiu-se pois com cuidado para dentro do palácio.
A todos foi chegando o rumor de que irremediavelmente morreria em pouco tempo. Mas a multidão, com suas mulheres e seus filhos, logo veio a prostrar-se segundo os costumes pátrios e começou a suplicar pelo rei. Os choros e lamentos enchiam tudo, e o rei, deitado no dormitório do alto, vendo-os embaixo inclinados, prostrados, também não pôde conter as lágrimas.
9.             Acabado pela dor intestinal de uns cinco dias contínuos, morreu aos cinqüenta e quatro anos de idade, no sétimo de seu reinado. Reinou quatro anos sob César Caio, governou as tetrarquias de Felipe durante três e no quarto recebeu também a de Herodes. Reinou ainda três anos sob o império de César Cláudio."
10.      Estou admirado de como Josefo, neste e em outros pontos, confirma a verdade das divinas Escrituras. É certo que para alguns poderia parecer que discordam quanto ao nome do rei[5], mas o tempo e o modo de agir mostram que se trata do mesmo, devendo-se a troca de nome a um erro de escrita ou a que um mesmo tivesse dois nomes, como ocorre com muitos outros.

XI - Do impostor Teudas
1.            Já que Lucas, nos Atos[6], apresenta Gamaliel dizendo, na sentença sobre os apóstolos, que no tempo assinalado surgiu Teudas, que dizia ser alguém, e que ao ser eliminado todos os que nele creram se dispersaram, comparemos também o que Josefo escreve sobre isto, pois efetivamente, na obra citada há pouco, narra isto textualmente como segue:
2.            "Sendo Fado procurador da Judéia, certo impostor chamado Teudas conseguiu persuadir uma grande multidão a que tomassem seus bens e o seguissem até o rio Jordão, pois dizia que era profeta e afirmava que com seu comando separaria o rio para fazê-lo mais facilmente transponível. Enganou muitos falando assim.
3.            "Fado não lhes permitiu saborear sua loucura, mas enviou contra eles um esquadrão de cavalaria que caiu-lhes em cima de surpresa, e deu morte a muitos e capturou muitos vivos. O próprio Teudas foi pego vivo, cortaram-lhe a cabeça e a levaram a Jerusalém."
Em continuação a isto, Josefo menciona também a grande fome que houve nos tempos de Cláudio, como segue:

XII - De Elena, rainha de Adiabene
1.      "Neste tempo ocorreu que houve a grande fome na Judéia. Durante esta, a rainha Elena gastou muito dinheiro na compra de trigo egípcio, que distribuía aos necessitados."
2.              Vemos que também isto concorda com o texto dos Atos dos Apóstolos, que relata como os discípulos de Antioquia decidiram enviar algo, cada um segundo suas possibilidades, em socorro dos que habitavam na Judéia; o que fizeram enviando-o aos anciãos por mãos de Barnabé e Paulo[7].
3.              Desta Elena mencionada pelo escritor ainda hoje vêem-se esplêndidas colunas nos subúrbios da atual Elia. Dizia-se que havia sido rainha do povo de Adiabene.

XIII - De Simão Mago
1.            No entanto, havendo-se propagado a fé em nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo a todos os homens, o inimigo da salvação dos homens já tramava antecipar-se na captura da cidade imperial e para lá conduziu Simão, de quem já falamos acima[8]. De fato, seguindo as hábeis artes deste homem, ganhou para o erro muitos habitantes de Roma.
2.            Isto é demonstrado por Justino, que se distinguiu em nossa doutrina não muito tempo depois dos apóstolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente. Em sua primeira Apologia, dirigida a Antonino, em favor de nossa fé, escreve como segue:
3.            "E depois da ascensão do Senhor ao céu, os demônios levaram alguns homens a dizer que eram deuses, e estes não somente não foram perseguidos por vós, mas até foram considerados dignos de honras. Um tal Simão, samaritano, originário da aldeia chamada Giton, que em tempos do César Cláudio realizou mágicos prodígios em vossa imperial cidade, Roma, por arte dos demônios que nele operavam, foi tido por deus, e como a um deus foi honrado por vós com uma estátua no rio Tibre, entre as duas pontes, com a inscrição latina seguinte: SIMONIDEO SANCTO[9], ou seja: A Simão, o Deus santo.
4.     E quase todos os Samaritanos, além de uns poucos de outras nações, proclamam-no e adoram-no como ao Deus primeiro. E a uma certa Elena, que na época andava com ele, e que primeiro estava num prostíbulo -em Tiro da Fenícia -, chamavam-na o Primeiro Pensamento nascido dele".
5.     Isto segundo Justino. Também Irineu concorda com ele quando, no primeiro de seus livros Contra as heresias, traça um retrato deste homem e de sua ímpia e nefasta doutrina. Expô-la em detalhe nesta minha obra seria supérfluo, podendo os que o queiram informar-se também da origem, vida e princípios das falsas doutrinas dos heresiarcas que depois dele foram se sucedendo um após outro, assim como de suas práticas, meticulosamente transmitido no mencionado livro de Irineu.
6.             Recebemos pois por tradição que Simão foi o primeiro autor de toda heresia. Dele até hoje aqueles que, participando de sua heresia fingem a filosofia dos cristãos, sóbria e celebrada universalmente por sua pureza de vida, chegam de novo à superstição idólatra da qual pareciam estar livres, pois se prosternam diante de escritos e de imagens do próprio Simão e de sua companheira, a já citada Elena, e se esforçam em render-lhes culto com incenso, sacrifícios e libações.
7.             Mas suas mais secretas práticas, das quais se diz que quem pela primeira vez as escuta fica estupefato e, segundo uma expressão escrita que corre entre eles, espantado, verdadeiramente estão cheias de espanto, de frenesi e de loucura, e são tais que não somente não podem ser colocadas por escrito, mas que nem sequer com os lábios pode um homem sensato pronunciar o mínimo, pelo exagero de obscenidade e costumes infames.
8.             Porque tudo quanto se possa pensar de mais impuro e vergonhoso fica bem superado pela abominável heresia destes homens, que abusam de mulheres miseráveis e carregadas verdadeiramente de males de todo tipo.

XIV - Da pregação do apóstolo Pedro em Roma
1.            A este Simão, pai e autor de tão grandes males, o poder malvado e odiento de todo bem, inimigo da salvação dos homens, destacou-o naquele tempo como grande adversário dos grandes e divinos apóstolos de nosso Salvador.
2.            No entanto a graça divina e celestial veio em socorro de seus servidores, e somente com a aparição e presença destes extinguiu rapidamente o fogo ateado pelo maligno, e por meio deles humilhou e abateu toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus[10].
3.     Por isso nenhuma maquinação, nem de Simão nem de nenhum outro dos que então proliferavam, prevaleceu naqueles tempos apostólicos: a luz da verdade e o próprio Verbo divino, que recentemente tinha brilhado sobre os homens, florescendo sobre a terra e convivendo com seus próprios apóstolos, triunfava sobre tudo e dominava tudo.
4.     Em seguida o mencionado impostor[11], como ferido nos olhos da mente por um ofuscamento divino e extraordinário quando anteriormente o apóstolo Pedro pôs a descoberto suas malvadas intenções na Judéia, empreendeu uma longa viagem para além do mar, e foi-se fugindo de oriente a ocidente, convencido de que somente ali seria possível viver segundo suas idéias.
5.             Chegou à cidade de Roma, e com a grande ajuda do poder que nela se assenta[12], em pouco tempo alcançou tamanho êxito em seu empreendi­mento, que os habitantes do lugar chegaram a honrá-lo como a um Deus, dedicando-lhe uma estátua.
6.             Não chegaria muito longe esta prosperidade. De fato, pisando em seus calcanhares, durante o próprio império de Cláudio, a providência univer­sal, santíssima e amantíssima dos homens, levava sua mão em direção a Roma, como contra um tão grande flagelo da vida, o firme e grande após­tolo Pedro, porta-voz de todos os outros devido a sua virtude. Como nobre capitão de Deus, equipado com as armas divinas[13], Pedro levava do oriente aos homens do ocidente a apreciadíssima mercadoria da luz espiritual, anunciando a boa nova da própria luz, da doutrina que salva as almas: a proclamação do reino dos céus.

XV - Do evangelho de Marcos
1.            Assim foi que, por habitar entre eles a doutrina divina, o poder de Simão se extinguiu e foi reduzido a nada, junto com ele mesmo. Em troca, o resplendor da religião brilhou de tal maneira sobre as mentes dos ouvintes de Pedro, que não ficavam satisfeitos apenas ouvindo-o uma vez, nem com o ensinamento não escrito da pregação divina, mas com todo tipo de pedidos importunavam Marcos - de quem se diz que é o Evangelho e que era companheiro de Pedro - para que lhes deixasse também um memorial escrito da doutrina que de viva voz lhes era transmitida, e não o deixaram em paz até que o homem o tivesse terminado, e desta forma tornaram-se a causa do texto chamado Evangelho de Marcos.
2.     E dizem que o apóstolo, quando por revelação do Espírito soube o que tinha sido feito, alegrou-se pela boa vontade daquela gente e aprovou o escrito para ser lido nas igrejas. Clemente cita o fato no livro VI de suas Hypotyposeis[14], e o bispo de Hierápolis chamado Papias apóia-o tam­bém com seu testemunho. Marcos é mencionado por Pedro em sua pri­meira carta; dizem que esta foi escrita em Roma mesmo, e que isto se dá a entender ao chamar a cidade, metaforicamente, de Babilônia, com estas palavras: Saúda-vos aquela que está em Babilônia, eleita convosco, e meu filho Marcos.

XVI - De como Marcos foi o primeiro a pregar aos egípcios o conhecimento de Cristo
1.            Dizem que este Marcos foi o primeiro a ser enviado ao Egito, e que ali pregou o Evangelho que ele havia posto por escrito e fundou igrejas, começando pela de Alexandria.
2.            E surgiu ali, na primeira tentativa, uma multidão de crentes, homens e mulheres, tão grande e com um ascetismo tão conforme a filosofia e tão ardente, que Fílon achou que era digno colocar por escrito suas práticas, suas reuniões, suas refeições em comum e tudo o mais referente ao seu modo de vida.


O que mais te chamou a atenção neste texto?
O que o texto contribui para a sua espiritualidade?






[1] At 12:1-2.
[2] At 12:13-17.
[3] At 12:19, 21-23.
[4] Em seus manuscritos Josefo fala de uma coruja.
[5] O Novo Testamento chama-o Herodes, Josefo prefere Agripa; na realidade, tinha os dois nomes.
[6] At 5:34-36.
[7] At 11:29-30.
[8] A identificação de Simão o herege com Simão o Mago é duvidosa.
[9] A estátua, encontrada em 1574, tem a inscrição: SEMONI SANCO DEO FIDIO SACRUM, sendo uma homenagem a um antigo deus Sabino SEMO.
[10] 2 Co 10:5.
[11] At 8:18-23.
[12] i.é. o demônio. Sobre a estátua, vide nota 123.
[13] Ef 6:14-17; 1Ts 5:8.
[14] Clemente na verdade diz que Pedro "nem o impediu nem o estimulou".

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Livro II - Capítulos 3 a 7

14
História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro II - Capítulos 3 a 7


III - De como a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou por todo o mundo
IV - De como, depois de Tibério, Caio estabeleceu Agripa como rei dos judeus
e castigou Herodes com o desterro perpétuo
V - De como Fílon foi embaixador junto a Caio em favor dos judeus
VI - Dos males que desabaram sobre os judeus depois de sua maldade contra
Cristo
VII - De como Pilatos também se suicido
 
III - De como a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou por todo o mundo

1. Assim, sem dúvida por uma força e uma assistência de cima, a doutrina salvadora, como um raio de sol, iluminou subitamente toda a terra habi­tada. De pronto, conforme as divinas Escrituras, a voz de seus evangelistas inspirados e de seus apóstolos ressoou em toda a terra, e suas palavras nos confins do mundo[1].
2.      Efetivamente, por todas as cidades e aldeias, como numa época fervilhante, constituíam-se em massa igrejas formadas por multidões inumeráveis. Os que por herança ancestral e por um antigo erro tinham suas almas presas da antiga moléstia da superstição idólatra, pelo poder de Cristo e graças ao ensinamento de seus discípulos e aos milagres que os acom­panhavam, tendo rompidas suas penosas prisões, afastaram-se dos ídolos como de amos terríveis e cuspiram fora todo o politeísmo demoníaco e confessaram que não há mais do que um só Deus: o criador de todas as coisas. E a este Deus honraram com os ritos da verdadeira religião por meio de um culto divino e racional, o mesmo que nosso Salvador semeou na vida dos homens.
3.      Pois bem, como quer que a graça divina já se difundisse pelas demais nações, e em Cesaréia da Palestina Cornélio e toda sua casa haviam sido os primeiros a aceitar a fé em Cristo por meio de uma aparição divina e do ministério de Pedro, também em Antioquia ela foi aceita por toda uma multidão de gregos aos quais haviam pregado os que foram dispersados quando da persegui­ção contra Estevão[2]. A Igreja de Antioquia já florescia e se multiplicava quando, estando presentes numerosos profetas chegados de Jerusalém[3], e com eles Barnabé e Paulo, além de uma multidão de outros irmãos, pela primeira vez o nome de Cristãos brotou dela, como de uma fonte caudalosa e fecundante.
4.      Ágabo era também um dos profetas que estava com eles e predizia como iminente uma grande fome, devido a isto Paulo e Barnabé foram enviados para pôr-se a serviço da assistência aos irmãos"[4].


IV - De como, depois de Tibério, Caio estabeleceu Agripa como rei dos judeus
e castigou Herodes com o desterro perpétuo
1. Morreu pois Tibério depois de reinar por cerca de vinte e dois anos. Depois dele tomou o poder Caio[5], que em seguida pôs sobre Agripa a coroa do comando sobre os judeus, fazendo-o rei das tetrarquias de Felipe e de Lisanias, às quais não muito depois juntou a de Herodes, depois de condenar este (que era o Herodes do tempo da paixão do Salvador), junto com sua mulher Herodías, ao desterro perpétuo por causa de seus muitos crimes, Josefo também é testemunha destes fatos.
2.             Por este tempo tornava-se conhecido por muitos um tal Fílon, varão notabilíssimo, não somente entre os nossos mas também entre os que procediam de uma educação profana. Descendia de família hebréia, mas não era em nada inferior aos que brilhavam por sua autoridade em Alexandria.
3.             A extensão e a qualidade de seus trabalhos acerca das ciências divinas pátrias se evidencia por sua obra, e quanto a sua capacidade para os conhe­cimentos filosóficos e os estudos liberais da educação profana, nada há que dizer quando a história dá conta de seu cuidado especial pelo estudo da filosofia de Platão e de Pitágoras ao ponto de suplantar todos seus contemporâneos.

V - De como Fílon foi embaixador junto a Caio em favor dos judeus
1.            Fílon conta em cinco livros as calamidades dos judeus nos tempos de Caio, e ao mesmo tempo comenta a demência deste ao proclamar-se deus e cometer mil desmandos em seu governo, assim como as misérias dos judeus sob seu império e a embaixada que a ele (Fílon) foi confiada na cidade de Roma em favor de seus compatriotas de Alexandria. Descreve como se apresentou perante Caio em defesa das leis pátrias e como não conseguiu ao final mais do que zombarias e sarcasmos, faltando pouco mesmo para perder sua própria vida neste incidente.
2.            Estes fatos são também mencionados por Josefo no livro XVIII de suas Antigüidades; escreve textualmente:
"E houve uma revolta em Alexandria entre os judeus ali residentes e os gregos, e foram eleitos três embaixadores de cada facção para apresentar-se perante Caio.
3.            Um dos embaixadores alexandrinos era Ápion, que havia caluniado muito os judeus dizendo, entre outras coisas, que viam com maus olhos o honrar a César, pois enquanto todos os que estavam submetidos à soberania de Roma construíam altares e templos a Caio e em tudo o mais o equiparavam aos deuses, somente os judeus achavam indigno honrá-lo com estátuas e jurar por seu nome.
4.     Muitas e graves acusações foram proferidas por Ápion, naturalmente com a esperança de exaltar o ânimo de Caio. Fílon, que presidia a embaixada dos judeus, homem ilustre em tudo, irmão do alabarca[6] Alexandre e hábil filósofo, tinha suficiente capacidade para lidar com as acusações em seu discurso de defesa.
5.     Mas Caio interrompeu-o e ordenou que se retirasse para longe. Estava irritadíssimo e era claro que tomaria sérias medidas contra eles. Fílon saiu dali ultrajado e disse aos judeus de sua comitiva que precisariam ter ânimo, que Caio havia se enfurecido contra eles, mas que na verdade estava atentando contra Deus."
Até aqui Josefo.
6.            Mas o próprio Fílon, em sua obra Embaixada, expõe com todos os detalhes e exatidão o que fez na ocasião. Deixarei de lado quase tudo e citarei somente aquilo que ajude os leitores a ter uma prova manifesta das desventuras que ao mesmo tempo ou em rápida seqüência caíram sobre os judeus por causa dos crimes contra Cristo.
7.     Narra pois, em primeiro lugar, que nos tempos de Tibério, Sejano, homem então de grande ascendência e influência junto ao imperador, tomou muito a sério a idéia de acabar por completo com a raça dos judeus na cidade de Roma; e que na Judéia Pilatos, sob o qual havia sido cometido o crime contra o Salvador, havia atentado contra o templo, que ainda se erguia em Jerusalém, de uma forma que ia contra o que está permitido aos judeus, exacerbando-os terrivelmente.

VI - Dos males que desabaram sobre os judeus depois de sua maldade contra
Cristo
1.            Fílon segue narrando que, depois da morte de Tibério, Caio assumiu o poder e começou a cometer muitas atrocidades contra muitos, mas sobretudo de forma a prejudicar tanto quanto possível a toda a raça judia. Mas será melhor conhecer isto brevemente por suas próprias obras, nas quais escreve textualmente:
2.            "Extraordinariamente caprichoso era o caráter de Caio para com todos, mas muito especialmente contra a raça judia, à qual tinha um ódio implacável. Nas cidades, começando por Alexandria, apoderou-se das sinagogas e encheu-as de imagens e estátuas com sua própria figura (pois ele que per­mitia a outros erguê-las, também as erigia por seu próprio poder), e na Cidade Santa o templo, que até então saíra intacto por ser considerado digno de toda inviolabilidade, foi por ele transformado em seu próprio templo, chamando-o: Templo de Caio, Novo Zeus Epifano."
3.     O mesmo autor, num segundo livro que escreveu, intitulado Sobre as virtu­des, narra outras inumeráveis e indescritíveis calamidades ocorridas aos judeus em Alexandria nesta época. Com ele concorda também Josefo, ao notar igualmente que os infortúnios que caíram sobre toda a raça judia tiveram início nos tempos de Pilatos e dos crimes contra o Salvador.
4.     Mas ouçamos o que este declara textualmente no livro II de sua Guerra dos
judeus quando diz:
"Enviado por Tibério à Judéia como procurador, Pilatos faz entrar durante a noite em Jerusalém, encobertas, as efígies do César, as chamadas insígnias. Ao nascer o dia isto produziu enorme comoção entre os judeus, que aproxi­mando-se para ver, ficaram aterrorizados: suas leis tinham sido pisoteadas, já que de forma alguma permitiam que na cidade se levantassem imagens."
5.           Se comparamos tudo isto com a Escritura do Evangelho, veremos que não tardaram muito para serem alcançados pelo grito que proferiram em pre­sença do próprio Pilatos quando gritavam que não tinham outro rei que não o César[7].
6.           Mas há ainda outra calamidade que alcançou os judeus e que o mesmo escritor narra em continuação como segue:
"E depois disto causou outra agitação quando esvaziou o tesouro sagrado chamado Corbã, gastando-o para trazer as águas desde uma distância de trezentos estádios. Ante isto o povo enfureceu-se e, quando Pilatos se apre­sentou em Jerusalém, rodearam-no vociferando a uma só voz.
7.             Mas ele contava já com a agitação dos judeus e tinha ordenado que se misturassem entre eles soldados armados, camuflados com trajes do povo, proibidos de usarem as espadas, mas com ordem de golpear com bastões os que gritassem. De seu assento ele deu o sinal. Os judeus foram feridos, muitos morreram sob os golpes e muitos foram esmagados pelos demais em fuga. A plebe, impressionada pelo infortúnio dos caídos, emudeceu."
8.      O mesmo autor faz saber ainda que além destas ocorreram em Jerusalém muitas outras revoltas, afirmando que desde aquele tempo, nem na cidade nem em toda a Judéia faltaram sedições, guerras e maldosas tramas de uns contra outros, até que finalmente chegou o assédio de Vespasiano. Assim é que a justiça divina alcançava os judeus por seus crimes contra Cristo.

VII - De como Pilatos também se suicidou
1. Não se deve ignorar uma tradição que nos conta como também o mesmo Pilatos dos dias do Salvador viu-se envolto em tão grandes calamidades nos tempos de Caio - cuja época foi explicada -, que se viu forçado a suicidar-se e converter-se em carrasco de si mesmo: a justiça divina, ao que parece, não tardou muito em alcançá-lo. Também os gregos que deixaram escritas as séries de olimpíadas junto com os acontecimentos de cada época a isto se referem.


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* Este livro foi composto com extratos de Clemente, de Tertuliano, de Josefo e de Fílon.
[1] Sl 18:5 (19:4); Rm 10:18.
[2] At 11:19-26.
[3] At 11:27.
[4] At 11:28-30.
[5] Caio César Augusto Germânico, mais conhecido como Calígula.
[6] Alabarca, arrecadador superior de impostos.
[7] Jo 19:15. Mas parece que Josefo indica que isto ocorreu pouco depois da chegada de Pilatos, portanto antes da paixão.