segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

12 - História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia Livro I – Capítulos 8 a 10

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História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro I – Capítulos 8 a 10

VIII - Do infanticídio cometido por Herodes e o final catastrófico de sua vida.
IX - Dos tempos de Pilatos.
X - Dos sumos sacerdotes dos judeus sob os quais Cristo ensinou.

 
06 de dezembro de 2014

VIII - Do infanticídio cometido por Herodes e o final catastrófico de sua vida

1.            Nascido Cristo em Belém de Judá, conforme as profecias[1] no tempo men­cionado, Herodes, ante a pergunta dos magos vindos do Oriente que queriam saber onde se achava o nascido rei dos judeus - porque tinham visto sua estrela, e o motivo de sua viagem tão longa era seu empenho em adorar como Deus ao recém-nascido -, bastante perturbado pelo assunto, como se estivesse em perigo sua soberania - ao menos era o que ele realmente pensava -, depois de informar-se com os doutores da lei dentre o povo onde esperavam que haveria de nascer o Cristo, assim que soube que a profecia de Miquéias indicava Belém, ordenou mediante um edito matar os meninos de peito de Belém e redondezas, de dois anos para baixo, segundo o tempo exato indicado pelos magos, pensando que também Jesus, como era natu­ral, teria certamente a mesma sorte que os outros meninos de sua idade.
2.            Mas o menino, levado para o Egito, adiantou-se ao plano: um anjo apareceu a seus pais indicando-lhes de antemão o que iria acontecer. Isto é o que nos ensina a Sagrada Escritura do Evangelho[2].
3.            Mas, além disso, é conveniente dar uma olhada na resposta pelo atrevimento de Herodes contra Cristo e os meninos de sua idade. Imediatamente depois, sem a menor demora, a justiça divina o perseguiu quando ainda transbordava de vida e lhe mostrou o prelúdio do que o aguardava para depois de sua saída desta vida.
4.            Não é possível resumir agora as sucessivas calamidades domésticas com que se enevoou a suposta prosperidade de seu reino: os assassinatos de sua mulher, de seus filhos e de outras pessoas muito próximas a sua família por parentesco e por amizade. O que se pode supor a respeito disso deixa à sombra qualquer representação trágica. Josefo o explica extensamente em seus relatos históricos.
5.            Mas sobre como um flagelo divino o arrebatou e ele começou a morrer já desde o momento em que conspirou contra nosso Salvador e contra os demais meninos, será bom escutar as palavras do próprio escritor, que no livro XVII de suas Antigüidades judaicas descreveu o final catastrófico da vida de Herodes como segue:
"A doença de Herodes fazia-se mais e mais virulenta. Deus vingava seus crimes.
6.            Com efeito, era um fogo suave que não denunciava ao tato dos que o apal­pavam um abrasamento como o que por dentro aumentava sua destruição; e logo uma vontade terrível de comer algo, sem que nada lhe servisse, ulcerações e dores atrozes nos intestinos, e sobretudo no ventre, com inchaço úmido e reluzente nos pés.
7.     Em torno do baixo-ventre tinha uma infecção parecida; mais ainda, suas partes pudendas estavam podres e criavam vermes. Sua respiração era de uma rigidez aguda e extremamente desagradável pela carga de supuração e por sua forte asma; em todos os membros sofria espasmos de uma força insuportável.
8.      O certo é que os adivinhos e os que têm sabedoria para predizer estas coisas diziam que Deus estava fazendo-se pagar pelas muitas impiedades do rei." Isto é o que o autor citado anota na mencionada obra.
9.      E no livro segundo de seus relatos históricos nos dá uma tradição parecida acerca do mesmo assunto, escrevendo assim:
"Então a enfermidade se apoderou de todo o seu corpo e foi destroçando-o com variados sofrimentos. A febre na verdade era fraca, mas era insuportável a comichão em toda a superfície do corpo, as dores contínuas do ventre, os edemas dos pés, como de um hidrópico, a inflamação do baixo-ventre e a podridão verminosa de suas partes pudendas, ao que se deve acrescentar a asma, a dispnéia e espasmos em todos seus membros, ao ponto de os adivinhos dizerem que estes sofrimentos eram um castigo.
10. Mas ele, mesmo lutando com tais padecimentos, ainda se aferrava à vida, e
esperando salvar-se imaginava curas. Atravessou o Jordão e utilizou as águas termais de Calirroe. Estas vão desaguar no mar do Asfalto[3], e como são doces são também potáveis.
11.     Ali os médicos decidiram aquecer com azeite quente todo seu purulento corpo em uma banheira cheia de azeite; desmaiou e revirou os olhos, como se estivesse acabado. Armou-se grande alvoroço entre os criados, e com o ruído voltou a si. Renunciando desde então à cura, mandou distribuir a cada soldado 50 dracmas e muito dinheiro aos chefes e a seus amigos.
12.     Regressou então e chegou a Jericó, já vítima da melancolia e ameaçado pela morte. Pôs-se a tramar uma ação criminosa. De fato, fez reunir os notáveis de cada aldeia de toda a Judéia e mandou encerrá-los no chamado hipódromo.
13.     Chamando depois sua irmã Salomé e seu marido Alexandre, disse: Sei que os judeus festejarão minha morte, mas posso ainda ser pranteado por outros e ter uns funerais esplêndidos se vocês atenderem minhas ordens. Assim que eu expirar, fazei com que cada um dos homens aqui detidos seja imediatamente cercado por soldados e fazei com que os matem, para que a Judéia inteira e cada casa, ainda que à força, chore por mim."
14.     E um pouco mais adiante diz:
"Depois, torturado também pela falta de alimento e por uma tosse espasmódica e abatido pelas dores, tramava antecipar a hora fatal. Pegou uma maçã e pediu uma faca, pois tinha o costume de cortá-la para comê-la. Depois, olhando em volta por medo de que houvesse alguém para impedi-lo, levantou sua mão direita com a intenção de ferir-se."
15.     Além destes detalhes, o mesmo escritor refere que, antes de morrer de todo, mandou que matassem outro de seus filhos legítimos, terceiro que somou aos outros dois já assassinados anteriormente[4], e no mesmo momento, de repente e entre enormes dores, expirou[5].
16. Assim foi o final de Herodes, justo e merecido pelo infanticídio perpetrado em Belém por atentar contra nosso Salvador. Depois disto, um anjo se apresentou em sonhos a José, que vivia no Egito, e ordenou-lhe partir com o menino e sua mãe para a Judéia, explicando-lhe que estavam mortos os que buscavam a morte do menino, ao que acrescenta o evangelista: Porém, ouvindo que Arquelau reinava no lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá, mas avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galiléia[6].

IX - Dos tempos de Pilatos

1.           O historiador acima citado corrobora a notícia da subida de Arquelau ao poder depois de Herodes e descreve de que maneira, por testamento de seu pai Herodes e por decisão de César Augusto, recebeu em sucessão o reino judeu, e como, tirado do poder após dez anos, seus irmãos Felipe e Herodes o Jovem, junto com Lisanias, governaram suas próprias tetrarquias.
2.     O mesmo Josefo, no livro XVIII de suas Antigüidades, declara que no ano 12 do império de Tibério (pois foi este o sucessor no Império, depois dos cinqüenta e sete anos de reinado de Augusto), Pôncio Pilatos obteve o governo da Judéia, no qual se manteve por dez anos completos, quase até a morte de Tibério.
3.           Portanto está claramente refutada a patranha dos que agora, ultimamente, divulgaram umas Memórias contra nosso Salvador, nas quais a própria data anotada é a primeira prova da mentira de tal farsa.
4.     De fato, situam suas atrevidas invenções acerca da paixão do Salvador no quarto consulado de Tibério, que coincide com o sétimo ano de seu reinado, tempo no qual está demonstrado que Pilatos não tinha ainda se apresentado na Judéia, ao menos se tomarmos Josefo como testemunha, que claramente assinala em seu livro já citado que Tibério instituiu Pilatos governador da Judéia justamente no décimo segundo ano de seu império.

X - Dos sumos sacerdotes dos judeus sob os quais Cristo ensinou

1.            Foi portanto nestes tempos, segundo o evangelista[7], estando Tibério César no décimo quinto ano de seu império e Pilatos no quarto ano de sua procuração, e sendo tetrarcas do resto da Judéia Herodes, Lisanias e Felipe, que nosso Salvador e Senhor Jesus, o Cristo de Deus, tendo cerca de trinta anos[8], se apresentou para o batismo com João[9] e deu início então à procla­mação do Evangelho[10].
2.     Diz ainda a divina Escritura que todo o tempo de seu ensino transcorreu durante o sumo sacerdócio de Anás e Caifás[11], mostrando que efetivamente todo o tempo de seu ensino se cumpriu nos anos em que estes exerceram seus cargos. Portanto, começou durante o sumo sacerdócio de Anás e continuou até o começo do de Caifás, o que não chega a dar um intervalo de quatro anos completos.
3.             De fato, como as normas legais naquele tempo estavam já de certa forma relaxadas, havia-se quebrado aquela segundo a qual os cargos referentes ao culto de Deus seriam vitalícios e por sucessão hereditária, e os governadores romanos investiam com o sumo sacerdócio pessoas diferentes e em tempos também diferentes, sem que durassem no cargo mais de um ano.
4.      Relata pois Josefo, que depois de Anás se sucederam quatro sumos sacerdotes até Caifás. Na mesma obra Antigüidades escreve o seguinte:
"Valério Grato destituiu do sacerdócio a Anás e tornou sumo sacerdote a Ismael, filho de Fabi; mas trocando também este ao cabo de pouco tempo, designa como sumo sacerdote a Eleazar, filho do sumo sacerdote Anás.
5.             Mas transcorrido um ano, destituiu também a este e entregou o sumo sacerdócio a Simão, filho de Camito. Mas nem para este durou a honra do cargo mais de um ano, sendo seu sucessor José, também chamado Caifás."
6.             Por conseguinte, está demonstrado que todo o tempo do ensino de nosso Salvador não chega a quatro anos completos, posto que desde Anás até a nomeação de Caifás foram quatro os sumos sacerdotes que, em quatro anos, exerceram o cargo anual. Tem razão o texto evangélico ao menos em apontar Caifás como sumo sacerdote do ano que se cumpriu a paixão do Salvador[12]. Por não discordar da observação precedente, fica também corroborada a duração do ensino de Cristo.
7.             Além disso, nosso Salvador e Senhor chama os doze apóstolos pouco depois do início de seu ensino, e somente a eles dentre os demais discípulos, por privilégio especial, deu o nome de apóstolos[13]. Depois designou outros setenta, e também a estes enviou, de dois em dois, adiante dele a todo lugar e cidade por onde ele iria[14].

O que mais te chamou a atenção neste texto?
O que o texto contribui para a sua espiritualidade?




[1] Mq 5:l (5:2); Mt 2:5-6.
     [2] Mt 2:1-7; 16:13-15.
     [3] O Mar Morto.
[4] No ano 29 a.C. Herodes matou sua segunda esposa, Mariana; em 7 a.C. os filhos que teve dela, Alexandre e Aristóbulo, e apenas cinco dias antes de sua morte, em 4 a.C. matou Antípatro, filho de sua primeira mulher, Doris.
[5] Aos setenta anos, provavelmente em março ou abril de 4 a.C.
[6] Mt 2:22.
[7] Lc3:1.
[8] Lc 3:23.
[9] Mt 3:13.
[10] Mt 4:17; Mc 1:14.
[11] Lc 3:2; Mt 26:57.
[12] Mt 26:3-57; Jo 11:49; 18:13, 24, 28.
[13] Mt 10:1-ss.; Mc 3:14-ss.; Lc 6:13; 9:1-ss.
[14] Lc 10:1.

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